No GRAmado: 1995, o ano que não acabou
Décima terceira rodada da mais importante competição nacional: estamos em último lugar. Temos um elenco mal planejado, mal montado, que, em meio às várias contusões e suspensões, vai atravessando o campeonato aos trancos e barrancos, envergonhando e humilhando sua torcida a cada rodada fora de seus domínios.
Ontem perdemos para a Chapecoense. Ouvimos a torcida catarinense rir da nossa cara aos berros de “segunda divisão”. Semana passada, engolimos calados o presidente de um rival histórico debochar da nossa fama de “bagunceiros”. Todos os programas esportivos nos citam quando o assunto é dívida, ou atraso de salários, ou confusão com a torcida. Enfim, somos uma piada.
Quando foi que o maior clube do país, o detentor da maior torcida, a inspiração para tantos músicos e artistas, o exemplo de “brasilidade” para tantos estrangeiros, o berço de grandes craques e de um futebol arrebatador se transformou nesse Flamengo de hoje? Depois de muito refletir após a falha bizarra do nosso jogador da camisa 48 (???), cheguei a uma simples conclusão...
Falar do Flamengo dos anos 80 é chover no molhado. Em termos de equipe, foi o mais belo exemplo de futebol-arte em nosso país, um desfile de craques, uma comunhão time-torcida. Já tínhamos a maioria nas arquibancadas desde que Ary Barroso catequizou milhões na era do rádio... e esse período só multiplicou a massa. Mesmo no início dos anos 90, ainda éramos quase tudo isso: mesmo sem tantos craques, nossa torcida, nossa história, nossas cores, nossa camisa, hipnotizavam, amedrontavam, conquistavam.
Então aconteceu 1995. Na (hoje sabida) megalomania de um ex-repórter de rádio, o maior clube do Brasil trouxe o maior jogador do mundo: Romário. Com ele, no ano do também megalomaníaco Centenário, vieram Branco, Edmundo, Ronaldão... e não ganhamos nada! Se em 12 anos tínhamos conquistado cinco Brasileiros, uma Copa do Brasil, uma Libertadores e um Mundial, depois do fatídico 95 (19 anos), foram apenas um Brasileiro, uma Copa do Brasil e uma Mercosul.
A conta das loucuras de 95 e dos anos que se seguiram vem sendo paga por todos esses anos. O Flamengo se transformou. Como uma borboleta que volta para o casulo, no caminho inverso da natureza, ficou menor, mais fraco, mais feio. Antes, craques sonhavam com o Fla e pediam pra se transferir pra Gávea (Renato Gaúcho, Sócrates e Casagrande foram alguns); agora, jogadores medianos debocham do clube. Perderam o medo, perderam o respeito.
Com “o melhor jogador do mundo”, chegou a era dos jogadores que derrubavam técnicos, que não treinavam, que trocavam o dia pela noite. Sim, Romário (meu ídolo) ajudou a institucionalizar a bagunça no Fla. A partir dele, a zona estava liberada. A única diferença da zona daquela época pra zona de agora, é que Romário, em campo, correspondia. Ainda hoje sua média de gols é uma das mais altas na história do clube, mas o ônus acabou sendo maior que o bônus.
De alguma maneira, essa bagunça institucionalizada foi tão cultuada, tão perpetuada, tão defendida dentro do Flamengo que virou um espécie de inconsciente coletivo, aquela teoria de Jung que diz que temos em nossa mente uma coletânea de sentimentos, pensamentos, também compartilhados pelo resto da humanidade, em um processo que ocorre ao longo das nossas vidas. É, a zona que o Flamengo virou acabou virando sinônimo do próprio Flamengo.
Aquela imagem de um clube temido, admirado, respeitado, se desfez. Hoje, qualquer jogador veste a camisa rubro-negra e entra em campo com o espírito “aqui é bagunça, o mínimo que eu fizer, já tá de bom tamanho”. Diretorias entram e saem e eternizam essa imagem, até mesmo essa, na qual depositamos tanta esperança. Parece o fim da linha para o maior de todos.
Mas ainda não é. Como a flor que nasce no meio do lixo, como o moribundo que resolve se levantar e andar, volta e meia presenciamos espasmos daquele verdadeiro Flamengo: surgem profissionais dedicados, que se entregam, se doam em campo, respeitam o Manto que vestem e, com isso, contagiam os mortos-vivos ao seu redor: os raros que desafiaram essa corrente, conseguiram se eternizar - Petkovic em 2009, Elias em 2013. Desistiram de esperar que o profissionalismo viesse de cima e resolveram, em campo, arrastar consigo um bando acomodado e sem grandes ambições.
O fato é que dependemos desses fenômenos esporádicos há quase vinte anos. E é pouco, muito pouco diante da grandeza da nossa história. É um desrespeito com a torcida, que sempre cumpre seu papel, e uma afronta ao nosso Manto Sagrado. Já basta! Chega de bagunça, chega de omissão, chega de falta de comando, de planejamento e de organização. Por favor 1995, ano do nosso Centenário, é hora de se despedir... descanse em paz... e nos deixe em paz!
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