Ultímas:

Minha graduação rubro-negra


Eu tinha 6 anos de idade. Aliás, havia completado-os dois dias antes e estava fazendo a festa naquele 27 de maio de 2001. Mas numa família de fanáticos mulambos, era normal que a comemoração fosse deixada de lado às 16h. Naquele dia, até eu esqueci que se tratava de meu aniversário.

Eu torcia para o Flamengo. Torcia, apenas. Sabia o nome da maioria dos jogadores, tinha uma camisa pirata, comemorava timidamente os gols e era bastante fã de um tal de Pet.


Também nunca entendia o porquê de meus tios e alguns amigos vibrarem como alucinados certas vitórias, como se a vida de algum ente querido estivesse sendo salva a cada bola que balançasse a rede adversária.


"Eles são loucos?"


O clube vivia uma era negra. Em meus primeiros anos de vida, me acostumei com derrotas e crises. Assim, sem conhecer a história do Flamengo, eu cometia o pecado de imaginar que meu time era apenas mais um que se contentava com pouco.


Mas uma coisa eu tinha aprendido dois anos antes, com o Carioca e a Mercosul, mesmo sendo uma criança de quatro anos: o Mengão me fazia acreditar.


E naquela tarde de minha festa de aniversário, enfrentaríamos o Vasco, o único que eu conseguia ver meu "humilde" Flamengo vencer. 


Mesmo assim, eu tinha medo. Os caras viviam uma fase sensacional, ganhando tudo, o que me causava bastante raiva.


Precisávamos de dois gols de diferença, algo que eu não entendia o motivo de jeito algum, pois não sacava baralhos de regulamento àquela altura de experiência de vida.


O relógio bateu 16h, Léo Feldman autorizou e dali em diante, fiquei sentado no sofá, esquecendo que haviam convidados de minha idade interessados na minha atenção.


Ali, fui começando a entender a importância que aquela camisa tinha em minha vida. Era algo mais do que gostar de futebol e me divertir. Eu necessitava daquele título para que minha festa não se transformasse numa tragédia.


- Vai brincar com seus primos, Léo.


- Não, sai da frente. Quero ver o jogo.


Pênalti. Edílson na bola, 1x0 Mengão. Pela primeira vez, ao invés de ficar com medo dos gritos de gol proferidos pelo meu tio, eu me juntava a ele, entendendo o que ele sentia e compartilhando essa alegria.


Quando a guerra se encaminhava para o intervalo, eles empatam. Falta absurda do Viola no Juan, gol de Juninho Paulista. Enquanto todos reclamavam do empurrão, eu gritava sozinho: " - Tava impedido. Tava impedido!".


Eu não fazia ideia do que dizia a regra do impedimento.


Fiquei cabisbaixo naqueles 15 minutos de intervalo. Uma derrota do Flamengo não era mais um "tanto faz" pra mim. Ela doía e transformava aquele domingo num dia bem triste.


- Seus primos querem brincar com você, Léo. Vai ficar com essa cara?


- Não quero. Só quando acabar o jogo.


- Quando acabar, vai ter o parabéns e eles vão embora. 


- Problema é deles. Agora eu não brinco - cara de criança emburrada.


Eu não era o único a estar daquele jeito. A sala de casa parecia um velório. Definitivamente, havia algo mais naquele tal futebol. E principalmente, no meu "humilde" Flamengo.


Mais um do Edílson, num passe elegante do tal do Pet. Voltávamos a precisar de mais um. 


Será?


E por que eu estava tão nervoso? O que tinha de especial naquela final? E meu aniversário? E meus primos que queriam brincar?


43 minutos, falta. Bem de longe, mas de qualquer forma, era a especialidade do tal do Pet. 


Ou ela entra, ou, pelo menos pra mim, a festa acabava ali.


O tempo de viagem que aquela bola fez permitia ir na cozinha, rezar e voltar. E como dois pilotos, meus olhos tentavam aterrizá-la naquela parede de barbante, sem que o inimigo de luvas causasse turbulências.


Ela aterrizou. No lugar certo.


Não ouvi nada, não olhei pra ninguém. Caí no chão sem medo de ser pisado, numa felicidade estranha para uma criança de 6 anos. 


Ali, eu entendia o que significava ser Flamengo e me arrependia de 6 anos "perdidos" da minha vida. Entendia meus tios, entendia meu avô, entendia aqueles milhares da arquibancada que apareciam na TV como se fossem um ser único.


Em 90 minutos, criou-se uma ideologia a ser carregada para todo o restante de minha vida. E no antepenúltimo deles, eu tinha certeza do motivo. 


O tal do Pet me deu o gol, o título e o diploma. 


Eu estava formado, bacharelado e pós-graduado em ser Flamengo.


Há 15 anos, eu descobria do que isso tratava.


Meus primos? Viraram vascaínos.


Vai saber...


SRN


@_LeoLealC

Um comentário:

  1. Descreveu bem aquele dia e por coincidência eu tinha a mesma idade, porém era vascaína haha
    Lembro que já gritava que era campeão, até os adultos mandarem eu ficar quieta porque havia uma falta, quando olhei achei piada comecei a falar que ele não ia fazer, que é impossível e que a mulambada podia desistir! Só ouvi mais pedidos pra ficar quieta e quando ele foi bater eu lembro que a terra parou! Juro! Foi um século que ele demorou pra correr até a bola e um silêncio tão longo que eu pensei que era até ensaio, todos juntos assistindo as mãos levantadas na tv. Quando a bola explodiu na rede logo em seguida meu bairro explodiu em uma alegria e demorou pra cair minha ficha pois gritava é campeão a 15 minitos atrás...mas ai caiu a ficha e fui cair no choro no colo da minha mãe e desabafei com ela "mãe eu não quero mais perder, não gosto disso principalmente pro Flamengo!" E ela a tricolor esperta me deu um bom conselho "então você se prepara porque se for vascaína vai chorar muito ainda brendinha, Vasco é vice! fluminense até ganha mas o Flamengo é Flamengo"
    Depois daquele choro virei a casaca mesmo, ou como preferir chamar. Virei Flamengo porque queria perder o ar também numa falta longe e sofrer o jogo inteiro nas levar a taça.
    Virei Flamengo para a minha alegria e logo depois para a do meu pai.

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